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20 novembro 2008

Fundamentos

Qual o principal "fundamento" da Física:
* a matéria?
* a energia?
* o tempo?
* o espaço?
* o movimento?
* tudo?
* nada?
Sobre o que ela se apóia principalmente?
Qual aquela coisa sem a qual ela não faria nenhum sentido?


Este tipo de pergunta costuma gerar desconforto.
Não pela dificuldade em se tomar um partido por este ou aquele fundamento, fato que não alteraria em nada caso não fosse científico. O problema reside justamente por se tratarem de "fundamentos".
Na verdade, a noção de fundamento está relacionado àquilo além do que não é possível inferir mais nada. Conceitos como os apontados acima partilham desta acepção.

Estes questionamentos tiveram origem após a leitura do artigo intitulado "Relatos de um Universo Oscilante", publicada na última edição da Scientific American Brasil (Novembro, 2008 - Duetto Editorial).
O autor do artigo, o físico Martin Bojowald, desenvolve a idéia de que a noção de átomos foi, durante muito tempo, considerada mera abstração. Esta situação se inverteu quando a humanidade desenvolveu a tecnologia capaz de estudar melhor o átomo e de elaborar teorias cada vez mais consistentes a seu respeito.
Em seguida, o autor trata da idéia dos

"átomos" de espaço-tempo ou alguma outra finíssima estrutura(p.31).
A idéia sobre os átomos do espaço-tempo já havia sido tratada nesta revista (ver: "Átomos do Espaço e Tempo", por Lee Smolin; Scientific American Brasil, fevereiro de 2004).

Bojowald se insere na linha de pesquisa que busca unir Relatividade Geral e Mecânica Quântica: a teoria da "gravidade de loop quântico". Esta teoria, conforme explica o autor, foi desenvolvida na década de 1990, em duas etapas:

Primeiro, os teóricos reformularam matematicamente a relatividade geral para que se assemelhasse à teoria clássica do eletromagnetismo; os loops da teoria são os análogos das linhas de campos elétricos e magnéticos. Segundo, implementando procedimentos inovadores, alguns deles similares à matemática dos nós, aplicaram princípios quânticos nos loops. A teoria da gravidade quântica resultante prevê a existência de átomos de espaço-tempo.(p.31)
A minha intenção não é a de "resenhar" o artigo (que, por sinal, é muito elucidativo). Porém, me chama à atenção o fato de pesquisas como a apresentada possuírem um caráter de inesgotabilidade e de intensa criatividade. Afinal, a idéia (fundamental) de átomos de espaço-tempo não é fruto de especulações sobre a possibilidade intangível de se conhecer os mais íntimos pedaços do que existe. Pelo contrário, tratam-se de previsões concretas, resultantes da união de teorias que há muito tempo demonstraram sua consistência.

Entretanto, a origem de nosso conforto, deixa-nos igualmente assolados.
Segundo a teoria da gravidade de loop quântico, uma das previsões da teoria da relatividade geral, a singularidade, não poderia existir. A singularidade, de modo bastante resumido representa, por exemplo, um Buraco Negro ou o estado inicial do Universo, no Big Bang, ou seja, um local no espaço-tempo no qual massa, densidade e curvatura do espaço-tempo possuem valores infinitos. [Parece absurdo, mas segundo a teoria da relatividade geral este resultado é previsto.]
Na teoria da gravidade de loop quântico isto não ocorre:

Segundo este modelo, nos primórdios do Universo, a matéria tinha uma densidade elevadíssima, mas ainda assim finita, equivalente a 1 trilhão de sóis em cada região da dimensão de um próton. Em extremos como esse, a gravidade atuava como uma força repulsiva, fazendo com que o espaço expandisse; com a moderação das densidades, a gravidade atuava na força de atração que todos conhecemos(p.33).
Bom, com a idéia do Big Bang surgem perguntas como:
"Mas e o que havia antes de tal evento"?
Agora, sem ele, o que poderíamos perguntar? "Como era o que havia antes do Big Bang?" "Houve realmente um Big Bang?"
Para o autor, amparado na teoria quântica da gravidade,

O Big Bang deixa de ser um início físico, ou uma singularidade matemática, mas impõe, efetivamente, uma limitação concreta ao nosso conhecimento. Seja lá o que tenha sobrevivido, isso não é capaz de proporcionar uma visão completa do que havia antes.(p.34)
Nisto não há nada de pessimismo, pois, em se tratando de ciência (realmente viva), muitas vezes o aspecto negativo dá origem ao positivo, e vice-versa.
Importante é perceber que muitos são os frutos das tentativas de unificar as teorias da física. Esta noção, com certeza, traz um novo fundamento a ser explorado.
Quanto às perguntas iniciais, melhor deixá-las em aberto... os assuntos voltam a todo o tempo.

Constatemos apenas que, em se tratando de fundamentos, pelo contrário do que se pensa, há muito o que se inferir...


Referência:
BOJOWALD, Martin. Relatos de um Universo Oscilante. Scientific American Brasil, Duetto Editorial, ano 7, n. 78, 2008. pp. 30-35.

10 novembro 2006

Sobre o Socialismo e o Universo

Faz alguns dias que não escrevo nada por aqui... As nossas atividades "oficiais" nos consomem um tempo danado. Mas luto para que chegue o dia em que teremos mais tempo para "fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo a meu bel-prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou crítico"[1]. Por enquanto, nesta sociedade capitalista, tenho minha profissão e tudo o mais que ela não me "rouba". Ainda não consegue robar o que acumulo, no bom sentido, no cérebro.

Qual o motivo desta visita? Bem, domingo passado, na série "Poeira das estrelas"[2], apresentada no Fantástico (TV Globo) pelo Físico Marcelo Gleiser uma questão se fez latente em minhas sinapses já um tanto cansadas.
O episódio tratava sobre a existência de vida extra-terrestre e lá pelas tantas Gleiser cita uma frase atribuída ao conhecidíssimo Físico britânico Stephen Hawking, teria dito ele: "civilizações tendem a se auto-destruir antes de atingir o grau de desenvolvimento tecnológico necessário para se fazer uma viagem interestelar". [2] No seu comentário, Gleiser afirma que mal dominamos a tecnologia para fazer uma viagem à Lua, mas que no entanto, possuímos uma tecnologia para destruir a Terra milhares de vezes.
Foi este aspecto da matéria que me chamou à atenção: Gleiser não nos fornece uma alternativa para a não destruição de nossa civilização, o que nos resta, segundo ele, é o estudo das formas de vida não-inteligente, através de uma nova ciência chamada Astrobiologia.
A militância em prol da construção de uma sociedade socialista me possibilita, a todo tempo, estabelecer outro tipo de relação com determinados tipos de informação. Para nós socialistas, a questão está posta há muito tempo: ou construímos o socialismo hoje, e implantamos neste planeta uma forma de produção na qual não sejamos escravos do capital, ou o seremos vítimas da barbárie que assolará toda a humanidade, sem contar com a destruição do próprio planeta.
Esta afirmação é defendida em um livro chamado "Teses para a atualização do Programa de Transição"[3], de Nahuel Moreno, militante do movimento trotskysta argentino. Este livro surgiu da necessidade de alterar, segundo acreditava, os "dois pilares da concepção trotskysta: a Teoria da Revolução Permanente e o Programa de Transição"[3], ambos de autoria do revolucionário russo Leon Trotsky. Não entrarei em detalhes sobre os dois últimos livros, apenas apresentarei as referências ao final.
A Tese XL, apresentada por Moreno, "Holocausto ou trotskismo. Uma necessidade imperiosa: a conquista do cosmos", apresenta um título que pode parecer por demais exagerado, mas na verdade expressa aquilo que de fato pensamos que pode ocorrer, caso a história da sociedade não dê uma guinada drástica. Moreno diz: "Os colossais meios de destruição desenvolvidos pelo imperialismo e pelos estados operários burocráticos modificaram o perigo que a humanidade enfrenta. Já não se trata da queda de um novo regime escravista, bárbaro, mas de algo muito mais grave: a possibilidade de que o globo terrestre se transforme num deserto sem vida ou com uma vida degradada devido à degeneração genética provocada pelos novos armamentos. Mas não somente existe o perigo de degradação da vida devido a uma guerra atômica; também existe um perigo imediato: que se continue destruindo a natureza, principalmente as fontes de energia, base essencial do domínio da natureza elo homem".[3]
Para Moreno, a única saída para a humanidade é a construção do socialismo. Ele destaca que, em sua fase progressista, o capitalismo cumpriu o desafio que lhe foi proposto, ou seja, a conquista do mundo todo. "A humanidade socialista tem outro desafio maior, o maior que a humanidade já teve: justamente no monento em que a continuação do regime imperialista ou de regimes burocráticos nos levam ao holocausto da espécie humana, o trotskismo assinala a possibilidade do maior salto já feito pela humanidade: a conquista do universo pelo socialismo".[3]
Alguns podem achar a discussão apresentada um tanto quanto cômica, os que tentam pensar primeiro, vêem alguma plausabilidade nestes estratos. Moreno não escreveu esta tese como divertimento, pelo contrário, apontava uma questão séria até então pouco discutida nos mais diversos meios, e que agora, volta à tona em uma série de TV de grande audiência.
Sobre a conquista do cosmos vários são so autores que se pronunciaram. Um deles em particular é o Físico norte americano Michio Kaku. No seu belíssimo livro de divulgação científica, "Hiperespaço", Kaku nos faz viajar pelas mais surpreendentes teorias da Física, abordando as suas histórias com um estilo "assaz aprazível" à leitura. Os temas centrais do livro são as dimensões superiores à quarta, bem como a teoria das supercordas. [Peguei o livro para ver a referência e quase não volto pra terminar este texto que já está bastante longo].Pois bem, o capítulo que nos interessa é o 13°, "Além do futuro", mais precisamente no subtítulo: "Civilizações Tipo I, II e III". Aqui, Kaku apresenta a classificação dada pelo astrônomo soviético Nikolai Kardashev aos diferentes tipos de civilização. Antés, porém, Kaku adverte o leitor quanto aos perigos da Futurologia, definida por ele como "a previsão do futuro com base em julgamento científico razoável". [4] Oriento, do mesmo modo, uma certa reserva.
Vejamos as definições apresentadas em Hiperespaço:
"Uma civilização do Tipo I é aquela que controla os recursos energéticos de um planeta. Essa civilização é capaz de controlar o clima, evitar terremotos, minerar em níveis profundos da crosta terrestre e tirar proveito de todos os oceanos. Essa civilização já completou a exploração de seu sistema solar.
Uma civilização do Tipo II é a que controla o poder do próprio sol. Isso não significa aproveitar passivamente a energia solar; esta civilização minera o sol. As necessidades de energia dessa civilização são tão grandes que ela consome diretamente a força do sol para mover suas máquinas. Essa civilização vai começar a colonizar sistemas estelares locais.
A civilização Tipo III control a força de toda uma galáxia. Como fonte de potência, ela explora a força de bilhões de sistemas estelares. provavelmente dominou as equações de Einstein e é capaz de manipular o espaço-tempo à vontade". [4]
Esta definição parece à primeira vista um tanto quanto alucinadas, motivadas em demasiado por uma visão de ficção científica, a la "Jornada nas Estrelas", mas guarda uma particularidade importante: o fato da obtenção da energia. "As civilizações de Tipo I usam a potência de um planeta inteiro. Civilizações Tipo II, a de uma estrela inteira. Civilizações de Tipo III usam a potência de uma galáxia inteira".[4]
A nossa civilização mal consegue prever o clima, que dirá controlá-lo! E é sobre este fato que se casam as idéias de Moreno e as apresentadas por Kaku: caso não alteremos a ordem atual da sociedade, dificilmente saíremos da Civilização Tipo 0. Daí uma das necessidades imperiosas de destruir o capitalismo, como diria Moreno. Não que o ideal seja a outra civilização subsequente, nos baseamos no fato concreto de que os recursos natuarais são esgotáveis, de modo que a necessidade de nos utilizarmos de outras formas de nos prover energia nos impulsiona a dominar as que dispomos. Trata-se de saber como dominar, neste ponto, não conheço outra alternativa diferente da construção imediata do socialismo, nos levando do reino da necessidade ao reino da liberdade.

Referências
[1] MARX, Karl. ENGELS, F. A Ideologia Alemã. Grijalbo, São Paulo: 1977.
[2] GLEISER, Marcelo. Poeira das estrelas. Fantástico, 10° Episódio (05/11/06). TV GLOBO, 2006.
[3] MORENO, Nahuel. CS Editora, São Paulo: 1992.
[4] KAKU, Michio. Hiperespaço. Rocco, Rio de Janeiro: 2000.

Outras:
TROTSKY, Leon. A Revolução Permanente. Kairós, São Paulo: 1985.
TROTSKY, Leon. Programa de Transição. Sundermann, São Paulo: 2005.

20 outubro 2006

Um novo 'velho' debate

Um filme que "parece estar revolucionando" a forma como olhamos a realidade está presente em meus pensamentos. Este filme é "Quem somos nós"(ler a resenha no Omelete) . Ainda não o vi, mas os comentários que li e ouvi sobre ele me indicam que se trata de mais uma obra "confusionista", pois tenta traçar paralelos entre ciência e religião que, apesar de serem paralelos, caminham no sentido de alcançar uma união entre as duas.
Fiquei provocado por está tentativa original e recorri a um dos meus confortos: "Materialismo e Empiriocriticismo", livro escrito pelo revolucionário russo Lênin, entre 1905 e 1907. Este livro tem como subtítulo: "Notas Críticas sobre uma Filosofia Reacionária", pois surgiu da necessidade de dar o combate dentro do partido bolchevique à filosofia do empiriocriticismo que, segundo seus autores, promovia a superação da oposição entre o materialismo e o idealismo através da "experiência pura". Para os empiriocriticistas, as coisas constituem "complexos de sensações", ou seja, a realidade não é aquilo que existe independente de nós, mas que era criada por tais complexos. Quem primeiro propôs tal filosofia foi o Físico e Filósofo Ernest Mach, importante pesquisador na área de acústica e óptica, daí o termo "machismo" amplamente usada na obra de Lenin.
Em "Materialismo e Empiriocriticismo", Lenin demonstra ponto a ponto o caráter reacionário do machismo, recorrendo à obra do Bispo George Berkeley, para mostrar como Mach "criou um berkeleyanismo original". Para Lenin, o empiriocritismo consegue fazer uma confusão geral sobre as bases da divergência entre materialismo e idealismo ao não estabelecer como e onde surgem os "complexos de sensação". A confusão criada por Mach e seus discípulos oscila entre as posições filosóficas antagônicas, pegando ora elementos do materialismo espontâneo proveniente dos cientistas naturais, ora defendendo concepções do idealismo, prevalendo sobre este último.
Um importante capítulo do livro de Lenin fala sobre a "crise da Física", como ficou conhecido o período das intensas descobertas sobre a eletricidade e radioatividade, no fim do século XIX. Neste período, importantes físicos deram sobre sua opinião a respeito do desparecimento da matéria. A confusão estava instalada pela verificação experimental do constituinte básico da matéria: o átomo. É desta época o modelo atômico de Rutherford, que afirmava que o átomo era constituído por partículas positivas ao centro e por partículas negativas que orbitavam o centro. Nos processos de radiação, Marie Curie (e seu esposo Pierre Curie) verificaram que da emissão de um elétron por um átomo de urânio era possível a obtenção de um átomo de hélio.
A conclusão a que chegaram os "filósofos professorais"(expressão de Lenin) foi a de que a matéria "havia desaparecido", necessitando-se, portanto, de uma filosofia que fosse ao encontro da derrocada das "consagradas leis da Física", ou seja, a lei da conservação da energia e a lei da conservação da massa. No entanto, o que faltava para estes "sábios professores" era um pouco mais de conhecimento sobre a dialética. Neste aspecto, Lenin não tem dúvidas do total desconhecimento por parte dos alarmistas ao afirmar que o mínimo de conhecimento da dialética colocaria a questão de outra forma, ou seja, da comprovação da teoria que explica a realidade em termos daquilo que nos é dado pelo mundo exterior: o materialismo dialético. Ao afirmar isto, Lenin mostra que os machistas nada entenderam da incompatibilidade entre materialismo e idealismo, pois não responderam desta forma a questão crucial: o que vem primeiro a matéria ou a idéia? E ao não responder isto, os machistas criam uma filosofia do absurdo, dizendo que a "matéria desapareceu"(Ipsis literis, inclusive). Lenin destaca: "o conceito de matéria, como dissemos, não significa senão isto: a realidade objetiva que existe independentemente da consciência huma e que é refletida por ela"(p198).
Na evolução subsequente da Física, Paul Dirac intensifica os estudos sobre as antipartículas, que nos possibilitam uma interpretação materialista tal como Lenin apontava: "o materialismo dialético insiste no caráter temporário, relativo, aproximativo, de todos estes marcos do conhecimento da natureza pela ciência humana em progresso. O elétron é tão inesgotável como o átomo, a natureza é infinita, mas ela existe infinitamente, e este reconhecimento, o único categórico, o único incondicional, da sua existência fora da consciência e da sensação do homem é que distingue o materialismo dialético do agnosticismo relativista e do idealismo"(p199).

Bem... acho que abusei um pouco. Apenas queria mostrar que este filme (não o vi ainda) parece trazer estes questionamentos a um número bem maior de pessoas* que os trabalhos dos empiriocriticistas criticados por Lenin. Resta-nos assistir pacientemente e trazer "novidades" neste diário.

*Sobre isto, lembrei de algo: tenho que conversar com o Chan sobre a questão do aumento da "criação de mitos" com o surgimento da imprensa, debate apresentado por Marx. Acho que isto pode ajudar.

Referências

Quem Somos Nós?
(What The Bleep do we Know?, 2005)
Gênero: Documentário
Duração: 108 minutos
Pais: EUA
Ano: 2005
Distribuidora: PlayArte
Diretor: Betsy Chasse , Mark Vicente , William Arntz
Elenco: Barry Newman , Elaine Hendrix , Marlee Matlin , Robert Bailey Jr.
Site oficial

LENIN, V.I. Materialismo e Empiriocriticismo. Edições Progresso - Editorial "Avante!". Moscou-Lisboa: 1982.